Retorno ao verso (em constante construção) por Fernando Graça

mais uma vez uma vez mais
bato à porta da Poesia
bálsamo raro
que nem todos os homens
conseguem adentrar.

15/05/2016


a voz de sempre (03/03/2016)

de palavra do princípio
o repouso após o isto
apodrece e atropela
essa morte que soluça

apenas no repouso
que perdura
não na tumba no lamento
de palavras tagarelas

pode no estridente
irritar a tentação
da funérea carga
da perpétua rosa
no lugar do alcance
da voz
de sempre

"Isso não passa de exercício rítmico da fala dizendo um texto "nonsense" criado com a técnica beatnik de CUT UP (que é muito mais reveladora do que o intencional)"


O Amor Homossexual

No princípio era apenas isto ou aquilo.
Humidum. Siccum. Humidum. Siccum.
Frigidum. Calidum. Frigidum. Calidum.
Superiora. Inferiora. Superiora. Inferiora.
Spiritus. Corpus. Spiritus. Corpus.
Caelum. Terra. Caelum. Terra.
Ignis. Aqua. Ignis. Aqua.
Agens. Patiens. Agens. Patiens.
Volatile. Fixum. Pretiosum. Vile.
Fixum. Volatile. Vile. Pretiosum.
Manifestum. Occultum. Manifestum. Occultum.
Oriens. Occidens. Oriens. Occidens.
Vivum. Mortumm.
Mortumm. Vivum.
Masculus. Foemina. Masculus. Foemina.
Sol.
Luna.
Sol. Luna. Sol. Luna.
Luna. Sol. Luna. Sol. Ad eternum.
Nexo. Anexo. Nexo. Anexo. Substância. Carapaça.
Certos anjos (sem sexo), não satisfeitos, disseram:
- Vamos totalizar essa bagaça?!

15/05/2016

O Poeta Suicida

Deixo aos vivos
O nojo da política
O nojo dos noticiários
Os problemas que não solucionei

E morro abraçado pela linguagem.
Cama de palavras.
Mortemvida.

15/05/2016

Diálogo Contemporâneo

- Vivemos tempos sombrios...
- E quando é que houve um tempo não sombrio nestes mais de 21 séculos?!

15/05/2016

NO ESPELHO

Tudo o que é humano me é estranho.

Se esse friso, gélido,
E os outros corpos, caricaturas,
E todo o entorno de nós, que é pedra,
Parece-te alheio, alien apolítico
Convergindo sempre para a solidão
E para o eterno rio subterrâneo,

Então, se esqueceres o nojo dos eventos,
A história cíclica da qual não faz parte,
As construções que erguem contra tua vontade,
As redes mefistofélicas do digital,
A interconectividade que não conecta a nada,
Poderei ser feliz.

Se te lembrares, magia,
Das ondas anticitadinas do mar, aquele
Da tua infância, avançando contra a cidade.

Se aceitares que tua condição de poeta é o eterno exílio.
Se aceitares a eternidade deste afagar do pelo felino.
Se aceitares, enfim, que teu espírito pós-moderno
Dê voz a nirvanas e panteísmos raros.

E assim, não em vão, com resignação e felicidade,
Daremos com a verdade:

Teus poemas não resolveram meus enigmas.
Mas os deixaram mais claros.

19/05/2016

Nestaurorafora
Morreramortes
Deuforia
Maioresim
Quemeurronírico

Quandolheíntima
Noiterrível
Emim.

Masei
Queu
Vencereisso.

São Paulo, 20/05/2016

Meter na intenção de morrer,
Esgotando no esforço o frio dos dias.

Dentro de ti
Aqueço e guardo conceitos

Aqueles de um sonhado mundo
Impossível.

De novo e de novo
Presentear tua boca
Com o fruto maduro.

De palavras metafísicas
Inauditas
Trançamos nossos lábios.

Preencher tua garganta que devora
O novo ser
À procura de mais aurora.

Esgarçar teu universo,
Transpondo para a matéria
O sentido quântico do corpo.

Parcela minha e tua
Expelidas
Porque já somos outros.

São Paulo, 25/05/2016

Sobre a minha prosa (K)A(K)FÃ

O jovem leitor lê e se angustia.
Já maduro, escreve e angustia seu personagem.
O personagem acabado devolve a angústia para o escritor.
O humano-escritor-leitor busca a libertação.
Talvez a angústia não esteja na Natureza.
Talvez a angústia seja uma herança, invenção.
Talvez o problema esteja todo na língua.
Angústia depende do verbo ser.
No russo, ele é sempre oculto.
No japonês, no hebraico e no tupi, ele não existe.
E assim o humano-leitor-escritor se desaliena
Cultural e linguisticamente,
Mas, principalmente, sentimentalmente.

São Paulo, 26/05/2016

Poéticagora

nesteterno
mesmoutrofício: POESIAflora
sempreterna

eurrolvidesquecidos
estuporesórdidos
infinitasomas

quenfimorrem:
ALMA DESAPEGANDO-SE DA FÔRMA.

São Paulo, 30 de maio de 2016.

3 de junho: Poesiguaria
1
A vida, o tempo, o mundo, o poder, os dias
parecem cebola,
múltiplas faces
que caem uma a uma.
2
Contra o sucessivo, continua o poeta
a procurar a palavra perpétua, aquela
que petrifique o momento numa cela, projeto
fáustico que encerre a vida num corte só.
3
Seus olhos lacrimejam.

São Paulo, 3 de junho de de 2016.

1

Com tanto mar na alma, como pude apostar na angústia?!

2

O mar é um choro já derramado.
Inconsciência de si mesmo.
Paira ali o ser profundo e vivo
Que não se revela por inteiro.

3

Ondarrediabarcandomens
Ondasábiasólidasóbriasuicidas
Tapetespirititualíquidoblíquo
Preenchendo
Vazios:
Senhor da escuta.

Santos, 06 de junho de 2016.
Obs.: Esse poema, na forma, sonda duas de minhas obsessões além da poesia erótica: o verso livre existencialista e a poesia experimental de linguagem. No conteúdo, avalia a primeira imagem que vi esses dias da orla e do mar de Santos, minha cidade natal, logo que cheguei de São Paulo. Para ouvi-lo na minha voz, vá até o instagram fernandogracah. 


A poesia está em mim ou eu estou na poesia?
duas análogas possibilidades
duas duas
dois enigmas que se acasalam
e voltam a romper
resposta por vir
resposta por vir
(talvez ambos, como deus no homem
e homem no deus, talvez ambos,
como numa interdependência, ou não:)
porque um dia restarão os poemas
e não eu
ou só eu nos poemas
ou eles em mim em nenhum lugar algum.
minha única certeza:
o eu nos poemas
não será este eu fora deles...
este eu fora deles, para onde vai?
é superficial, sorri, come, transa, compra:
tudo inutilmente, vaidade das vaidades...
mas o eu dos poemas depende dele!
ou será que é ele que depende do eu dos poemas?
enquanto é eterno o eu dos poemas,
o outro apodrece lento:
então aquele eu privilegiado
é parcela maior do outro
- nem todos os homens
terão algum pedaço perene resistindo ainda...
tristes homens!
perene?
Não, porque um dia não restará nem eu nem poema.
São Paulo, 14 de junho de 2016.

Abril de 2016:

I.
Um nervo
  botão
que nunca estiola
então logo desaparece
no pus
de eterna erupção.

Será servo
  senão
da constante esmola
que então se esquece
da luz
de espúrio apagão.

Eu devo
   ao cão
que nos assola
o chão que messe
a cruz
da nossa crucificação.

(Esta outra escuridão
seduz
o Homem e amortece
o salto da mola
   na mão
que a levo.)


II.

Aqui, não em vão,
rasguei o sonho forjado na madrugada
e, rompendo esta nova mesma manhã,
resgatei, os, cacos, oníricos, enterrados,
nas. dunas. das. ho.ras.
in.cer.to.quan.to.às.cer.te.zas.
do.ou.tro.ra
(sa.ben.do.po.rém.que.O.bra
é.o.que.por.fim.r.e.s.u.l.t.a
d.o.d.e.s.p.e.n.c.a.r.i.n.s.o.n.e
p.ó.s.v.i.r.a.d.a.)

III.

 PRESO, A FORAGIDO

Nosso amor
No ar ardor
Do falar

Trouxe a atrofia
Do calar
Diante da ânsi

IV

  derivo talvez de
GRANfDES
              omes

   HOMENS

Minha tarefa: não outra
senão matá-la/os dentro de mim

             o EU.
E depois engolir 


*

vida em espiral
sem fim
ardor
caio noutro abismo
em mim
dor
no súbito suicídio
não eu
ar
ou ilumino tudo
no céu
dorar
*
9 Eis a sinuosa estrada de São Paulo a Santos
8 Que leva-me submergido ao encontro da parcela náufraga
7 (Esta que ora emerge enquanto eu desço
6 No percurso humano dentre o verde)
5 E, assim, não sem pudor,
4 Viver os sonhos/pesadelos
3 Aurorais e crepusculares
2 do ontem
1 amanhã

*

O SUICIDA DO MAR

as ondas me atacam
as ondas me atacam
as ondas me atacam
as ondas me acatam

as ondas me atacam
as ondas me atacam
as ondas me atacam
as ondas me catam

[São Paulo, 25 de junho de 2016]

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