Ode a Ismael Nery / Mareu - Dois poemas de Fernando Graça

Fernando Graça e um grafite (in)conscientemente inspirado em Ismael Nery. Pompéia/Vila Anglo Brasileira, 21/02/16.

ODE A ISMAEL NERY (Fernando Graça)
Amado, do mastigar do Tempo
Resta apenas Quéops
Resta apenas Quéfren
Resta apenas Miquerinos
E o Espírito Perpétuo por trás de homens, deuses e animais.
No mastigar do Tempo
Que devora o corpo. Devora a ideia.
Devora toda arquitetura toda vida.
Devora Fernando. Devora Ismael.
Mas o Tempo é brando atrás do véu:
Contra teu Essencialismo
O Tempo não pode.
O Tempo não pode.
O Tempo não pode.
O tempo não pode contra essa Ode.
Outra prova não seria possível
Senão meu lançar de olhos
Neste grafite num canto de São Paulo
Em 21 de fevereiro de 2016.

MAREU (Fernando Graça)

Da mão do suicídio
Surgiu um poema: o Mar nunca se afoga.

O poeta o poeta o poente
Está sempre em nossa frente, mas ninguém vê.
Inútil poente inútil poema inútil poeta
Que insiste em aparecer, insiste em nascer, insiste em escrever.

*

Este que vos escreve
Se deixa levar pelo ~~ vento ~~
Que o conduz inevitável
Contra as rochas da costa
Onde me quebro em ENORMES f r a t u r a s.

(Não posso evitar:
Vim do mar, vim do mar.)

*

Fernando Pessoa era correspondente estrangeiro.
Sorte a dele!
Rimbaud conseguiu largar a poesia e ir traficar arma na África.
Sorte a dele!

*

Desde que cheguei em São Paulo
Vivo uma vida de perdição e conforto
Que só serviu para me acomodar.
(A dor do Poeta é a dor de t-o-d-o-s,
Mas ninguém pode o salvar.)

Como, um, Ovídio, estirado, no, Danúbio, 
Estirado, em, minha, cama, desejo, a, Morte;
De, meus, sonhos, sobraram, m, i, g, a, l, h, a, s,
"E a terra é fria e o pássaro da noite sibila perante os teus olhos."

*

PoetaePoema
Sechocamseacavalamsepenetram
OndasrevôltasÀsvoltas: O ventoema leva-me,
Atira-me-contra|as|mesmas|questões:||||
E-minhas-águas-retornam-unidas-ao-vastoceano.

Eternamente?

Até que o mar inunde o litoral, até que as plantas
Tomem a metrópole e nossas civilizações.

*

Quando penso em suicídio
A mão que me mataria
Escreve um poema:

O mar nunca se afoga.

*

Ervas daninhas cresCEM do asfalto entre os edifícios;
O mar avannnnnnnnnnnnnça contra os arranha-céus.

Mas o poema o poeta o poente
Nasce sempre de acidente inconveniente.

(Não posso evitar:
Vim do mar, vim do mar.)

*

Vim do mar:
O mar que engole em sua gula
Tudo
O mar devolve de sua jaula
Tudo
O mar não sabe de si.

O mar.

Eu sei de mim.
Engulo tudo em minha gula.
Devolvo em forma de poemas
Nada.

Não posso evitar.

*

Ele também, urinado e cuspido,
Abre os braços pros garotos/garotas,
pros surfistas/suicidas,
pros libertos da clausura.

Todos eles se banham em seu próprio reflexo - Que erotismo!
Todos eles e muitos outros
Elogiam o Mar e o deixam,
Sem jamais conhecer seu
a
b
i
s
m
o.

*
Fernando Graça / inútil poente inútil poema inútil poeta e seus abismos. 21/02/16.