Crônicas (abril/2016)

1.
- Você tem ido em alguma das manifestações recentes?!
- (Pronto. Ele quer saber de que lado estou, para depois disso já fazer o julgamento necessário: se sou coxinha ou petralha, como se o Brasil não fosse maior do que isso. Sou poeta e, como todo poeta, exilado em qualquer época e governo. Mas ele não vai entender isso. Sou apolítico, só encontro salvação no impacto estético, na compreensão da física quântica e nas iluminações orientais, mas melhor não falar nada, as pessoas aristotélicas vão dizer que sou platônico, alienado e burguês, quando, na verdade, tenho largo conhecimento do materialismo histórico. Estou rodeado de idiotas, patrulheiros de esquerda, patrulheiros de direita, gente que quer de volta a ditadura, gente que quer de volta a monarquia, patrulheiros do que devo comer, do que não devo comer, de como minha vida deve ser e de como não deve ser. 22 anos e a constatação de que foderam o mundo. Estamos mesmo no século XXI? A história não passa de ciclos que se repetem constantemente. Tentando escapar da alienação, todos se alienaram ainda mais. Não fossem meus livros, a arte, meus dois gatinhos e meu Panteísmo, eu já teria tomado chá de sumiço faz tempo. Porém, gosto cada vez mais de mim e do quão fora estou disso tudo.)

2.
Cabeleireiro: O país tá ruim, né?!
Eu: Assim é se lhe parece. Depende do seu nível de expectativa. 
Cabeleireiro: Como assim?!
Eu: Olha, se estivesse tão ruim quanto falam e a televisão diz, eu não teria conhecido só esse mês um chileno, um americano e um francês, todos de 20 e poucos anos como eu, que vieram aqui pra São Paulo trabalhar e estudar como todos nós estamos fazendo normalmente.
Cabeleireiro: Eu sou militarista, acho que tem que ter ordem, tem que voltar a ditadura, o que você acha?
Eu: Tá ficando bom, só falta rapar o lado direito...



Fernando Graça de cabelo devidamente cortado.

3.

Todos os clichês são verdadeiros: a vida é curta, o tempo passa, paixão é uma merda, Deus existe... Ops. Quanto a esse último não sei, mas o penúltimo é verdade: uma vez me apaixonei dentro de uma biblioteca, mais especificadamente dentro da Sérgio Milliet, no Centro Cultural Vergueiro. Foi paixão à primeira vista. Nos perseguimos em meio aos livros. Troca de olhares desejosos. Recordo que deixei os formalistas russos para trás e o livro de correspondências entre Mário e Carlos na estante para seguir a paixão. Sem falar nada, acabei deixando meu número de telefone em cima de uma mesa, passando batido, indo embora. Minutos depois, já no metrô, recebi uma mensagem e combinamos um encontro. O terrível é que, desse ambiente onírico e extremamente sugestivo da biblioteca, fomos parar numa cama de motel chinfrim no centro, com a constatação de que não tínhamos nada a ver um com o outro. Paixão é uma merda mesmo. Ou a realidade é que é?!