"I think the interview is the new art form. I think the self-interview is the essence of creativity."
Por que você ainda insiste?!
Por que não?!
Você parece se colocar dentro de uma proposta experimental bem fundamentada, ainda que não ignore a tradição. Como lida com essa dicotomia e com a história da arte?
Eu tenho apenas 22 anos e a humanidade tem, no mínimo, alguns bons milhões, mas você não deixa de criar porque existem séculos e mais séculos de criação nas suas costas. Ninguém deixa de cantar porque existiu João Gilberto, Cauby Peixoto, Orlando Silva, Elis Regina, Ângela Maria, Sarah Vaughan. No entanto, aprofundando o máximo possível na tese de que o mundo nem a arte começaram ontem, avanço nos percalços da tentativa de inovação, evitando ao máximo esbarrar na obviedade e na redundância. Filosofia (Nietzsche, Heidegger, Kierkegaard), semiótica (Peirce), psicanálise (Jung), teoria da informação, tudo acaba ajudando para alavancar meu repertório particular, mas o que importa mesmo é o estudo e a produção da arte em si, isto é, engolir tudo e se colocar diante e ao lado de tudo, caso contrário, se for para chover no molhado, é melhor abandonar. Nem todos fazem isso, e essa atitude pode ser explicada somente de dois modos: ou o artista tem uma má formação, não alimentou seu repertório pessoal, desconhece o que é e o que foi a arte, ou ele produz clichês por puro interesse comercial (no caso dos entertainers). O problema é quando ambas as coisas ocorrem num mesmo artista, e talvez isso seja o mais comum! Há uns cinco meses atrás, eu me encontraria desesperado, dizendo que não vale mais a pena fazer literatura, cinema, poesia, nem nada, porque já fizeram tudo, mas isso é uma completa falácia. A arte não acabou, nem morreu. Para mim, o entendimento de evolução, seja em qualquer arte, já não existe mais. Foi um conceito de um momento muito específico em que ciência - afinal, evolução é termo tipicamente técnico e científico - e arte tinham se misturado ali no meio das vanguardas do século XX em que se tentou evitar, questionar e destruir o sentimento de absoluto na arte. Quando se derruba o pensamento de linha evolutiva, o que passa a existir, principalmente neste século XXI, é constante presença e co-presença de sistemas e signos e estilos. A evolução não compete à arte. Só a revolução! A física quântica tem comprovado que tempo e espaço são relativos, não existem de fato, e os artistas ocidentais - porque os orientais já sacaram isso através de toda tradição espiritual deles, no budismo e hinduísmo, principalmente - deveriam começar a compreender melhor que existe vidarte, e não separações. Parece que o ecletismo da arte pop e do tropicalismo nos anos 60 sacava isso, contudo num nível mediano, popular, e não erudito. Quer dizer, em mim mora Mallarmé, T. S. Eliot, Drummond e Ovídio, moram concretistas e Fernando Pessoa, Tarkovski e Godard, Machado de Assis, que, aliás, foi inovador no conto e no romance da época, misturado a Oswald de Andrade, Hilda Hilst e Beckett, que finalmente destruíram esses gêneros imbecis. Mas, dos dois lados da trincheira, não se pode perder tempo com veredas, é preciso se preocupar somente com o sertão (frase do Haroldo de Campos que eu subscrevo), isto é, com aqueles que realmente fizeram a feijoada, que destoaram e impactaram. Da mesma forma, não se pode escolher um lado e esquecer do outro, isso sim é antiquado e não vale mais a pena. Portanto, em mim influi o absoluto e o experimental, a construção e o estilhaço: eles não mais gladiam, mas se penetram. Esse é o meu movimento pessoal do século XXI. Forma e conteúdo, estrutura e essência, se casam, e nos melhores momentos se acavalam, mas não mais se dividem definitivamente, e nem mesmo o absoluto e o conteúdo devem tomar a rédea, ao contrário, senão a força estética da obra se torna fraca ou testamental demais, como é a maior parte das obras de hoje em dia. Ninguém discute estrutura, só conteúdo, é um absurdo! E, por outro lado, há artistas da chamada vanguarda ou arte contemporânea que se perdem no meramente cerebral, eles ficam tão somente no processo e na técnica, produzindo conteúdos e trabalhos ocos, quando, na verdade, a boa vanguarda tem sua sensibilidade pungente: Malevich, Rothko, Amilcar de Castro. Como se vê, detesto extremismos, curto o Caminho do Meio budista. O que vale, para mim, seria pensar mais em poética do que em estética. Seja como for, a metamorfose e a diversidade são a lei da nossa época, não mais a estabilidade ou o grande guarda chuva explicando tudo. É claro que toda essa minha visão de universo é particular, porque não vejo que os artistas de hoje, na música, na literatura, no cinema, pensem assim, aliás não pensam em nada, a maioria simplesmente aposta na espontaneidade, que não tem nada a ver com fluxo de consciência, porque até mesmo Pollock fazia correções na sua exemplar desordem. Eu sou um movimento em si.
Eu ia perguntar quais são suas maiores influências... Suponho que sejam todos esses citados...
Todos eles, sem tirar nenhum, e até mesmo os sinônimos citados sem nomes explícitos, tropicalistas, concretistas, Egon Schiele, Ismael Nery, Stanley Kubrick, influências transversais como Mozart e o terceiro movimento da Sonata ao Luar de Beethoven, e, claro, o argentino e, na maior parte das vezes, universal, Jorge Luis Borges, que me fez virar adulto antes do tempo. E tem as influências pessoais, também, como meus dois gatos, e meu pai e meu tio, que marcaram a minha infância no bom e no mal sentido e que estão dentro de mim sob a forma de símbolo e até de arquétipo. E, mais recentemente, pessoas com quem tenho me relacionado, amores, sexos, paixões, e tem sido tantas... Tenho escrito umas coisas recentemente que misturam autobiografia e ficção envoltas numa proposta filosófica, histórica e de revolução artística pessoal. Meu pai, que representava o gênio romântico, o conforto, a força sexual, o lorde, o "vencedor" em termos sociais, e meu tio, que é o viciado, o disfuncional, o dionisíaco, o trágico, o terrível, a miséria, a incapacidade de lidar com a vida prática, me inspiram muito nesse momento, porque são forças antagônicas que eu amo e temo e que estão em mim e que preciso superar. Sou muito egoísta, tudo é sobre mim.
Você não se acha prepotente, esnobe, arrogante?
Leonino, essa pergunta só pode ser intriga da oposição. Se você sou eu, não há motivos para dissertar o quanto as pessoas nos vêem como prepotentes, quando na realidade gostamos de compartilhar desejos e conhecimentos.
Se tirassem de você a arte, a capacidade de escrever, o cinema, o que aconteceria?
Eu por certo endoidava, pirava ou morria.
E acham você pirado porque escreve.
Pois é.
Como você definiria sua arte?
Caótica.
Deu pra perceber...
É preciso demonstrar prazer sensual no conhecimento e erudição, alimentar o sonho, alargar os limites estéticos e existenciais, toda minha geração está em ensinos técnicos, um absurdo! Não que eu seja mais feliz pelo caminho escolhido, ao contrário, mas acontece que há tarefas mais importantes do que simplesmente conseguir felicidade, já dizia o padre do Oito e Meio do Fellini para o triste protagonista que era o próprio Fellini...
Lembro. Você chora todas as vezes quando o filme termina com aquele final trágico e cômico, com aquele garotinho saindo de cena...
Então, só pra terminar, tentativa de ser importante, tentativa de ser relevante, tentativa de inovar, destoar, é o que me move. Dentro dessa expectativa, eu sou um sucesso, porque minhas tentativas dão certo.
Concordo.