3 poemas de Fernando Graça para o curta doc "Tríade"




Poemíscuo I

Desavalanche de sensações.
Que horrorcausto que eu provoquei:
tantos corpos, meu Deus, tantos corpos
queimados por meu desejo
e oferecidos ao tremor do Tempo.

Amores. Um potlatch
de muitos lábios e dolores:
no que tudo isso resultou?

Não em memória apenas,
talvez num projeto superior
algo maior
que não entrou 
em cena:
essa koisa é o Poema.

Frodido

A literatura fodeu minha inocência:
do cacabaço rompido
no abrir de um livro (não de pernas)
tantos inferros e paradisos...

E eu sozinho a limpar cada canto
cada canto imundo do desmundo
explodido pelo coito de infinitas espernas.

E nos vãos desvãos das muralhas,
no virar das pedras rochas,
nos cantos recantos das terras,
em meu varrer de folhas, sacodir de panos,
ver como vi que tudo é antigo 
                           tudo é velho
                          nada novo nothing virgem

Mil anos nas minhas costas.
Todos os cânones a me foderem
e a rirem de mim pelas costas.
Como Aquele que nunca se mostra.

Poética

Escrever obcecado sobre o papel
diante da Obra, súmula do Tempo:
Arte realizada e posta aí para todo o sempre
(mesmo depois do meu corpo presença)
e talvez por isso mesmo eu deva esquecer o mundo
com seus lábios toques babas tentações
para viver a vida corcunda diante da literatortura:
             torres de marfim, versos e ficções
abdicar desta
para urgir outra vida
e me tornar imortal na                                    sepultura.


© Escrito em 2015 por Fernando Graça. Todos os direitos reservados. Também publicado no Portal Cronópios em: 
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Fragmentos de um livro que está por vir por Fernando Graça



fernando graça
Fernando Graça

Papel em branco, urgência de construir a Obra, escapo, desvio, me perco em corpos lábios alheios e foram tantos que esqueço o teu nome e quase nem sei mais o meu, uma promisdescuidade importante, digo isto a mim mesmo: promisdescuidade importante, em que dou as costas para a única coisa que vim fazer no mundo, pois a literatortura não pode estragar os meus 20 e poucos anos, não pode reduzir luar noite estrela sexo em meras palavras luar noite estrela sexo, não pode converter o centro lascivo do meu impulso fervilhão em arranhares de umas superfícies fajutas, não, não posso viver a introvertida vida corcunda diante da Obra oca, indiferente, inútil como a Bíblia ou a Guerra e Paz, vinda das mãos do exímio construtor do grande muro a separar os corredores de dentro dos corredores de fora, passarelas passagens de toques suores abafados e humanos, tudo isso em troca da sacralidade em deixar linhas versos palavras como essas daqui às gerações futuras, muitas delas nefastas a rasgar com unhas e dentes ou cuspir com bocas e línguas os livros, e outras a repetir declarar bendizer as mesmas linhas escarradas, linguagem em movimento a passar por muitas mãos bocas gargantas, uma promisdescuidade mais importante do que aquela anterior que recusei e recuso agora em troca de algum mínimo vislumbre do que matura germina neste instante momento, a Obra. // Gérmen


xxx

O sandeu na sand foge do horrorcausto de tantos corpos consumidos por sua gula e em voluntário exílio se põe a escrever. Sempre na eramá dos dias, em que é oscura a noite do deserto e no papel brotam os perversos. Ser fodido pela literatura dessa transmaneira, sofrer de promisdescuidade e de um terrível tédio, tudo isso aguentou aguentei aguentarei. // O Sandeu


xxx

aflição e dissabores. descaminhos. Eu te tenho em minhas mãos, Kierkegaard, mas Soren não entende de descaminhos, queres o que então, ah ah, um beijo tácito, um afagar de mãos, nada daquilo que eles chamam de niilismo, o único vazio real é a fome, nada de sussurros contra o cotidiano rotina, anti o Sol da manhã de segunda. Essa atração fatal não nos livrará da interrogação de depois. A única iluminação possível é a das lâmpadas. Metemos muito. Tantos demônios... Depois um descanso acalanto, um inventar carícias onde não tinha, um preencher de gestos em movimento dentro dos buracos espaciais, uma aproximação. O Kierkegaard não te conhecia, nem o Silêncio, nem o Vazio, eu abismo não te conheço, te esqueço, te ignoro, eu te amo a cada instante. é lícito te atrair até mim e depois do orgasmo sussurrar em teu ouvido angústias rotinas a serem superadas? não esperavas isso de mim, este instante momento letárgico diante do silêncio, não, logo eu, tão gostosinho, poeta sexy, logo eu, quero agora te falar do exílio de Ovídio, aquele cuja arte de amar não serviu para livrar-lhe da terra arisca estrangeira árida longe de Roma, e nós dois lado a lado estamos longe de nós mesmos e não há anistia possível nem salvação provável, por isso pergunto é lícito este instante momento em que te tenho nas mãos e posso te dizer que tua vida não passou de um engano? // Licitudes / Sussurros Heideggerianos


xxx


Estranho incômodo de certos fatos antes desconhecidos que nos chegam aos olhos: K não está só. Um ciúmes, um arrepender-se. A OBRA INCOMPLETA É SEMPRE A MELHOR. Talvez por um triz um sorriso apressado não tivemos nada. Tudo talvez por isso mesmo acreditar que sem ela eu virei gay. Não assim, meu holofausto importa em sentimento. Assim talvez, pois tal desvario laborioso não passa de um enorme muro de lubricidade construído apenas para ignorar a única paixão de minha vida, meu clichê pessoal não manniano. Tão persistente? A única. As mulheres me rejeitaram. A mais persistente. Sim, mas não mais que as pirâmides, por isso mesmo o que não mata nos torna mais fortes. Assim deito tudo abaixo, como um dia o Trem(p)o deitará Quéops, Quéfren e Miquerinos, e eu, pensarei ainda em K?

xxx


Ele se apaixonou por um assassino e soube do crime. lívido é sempre o Tempo quando encara o Futuro. dos olhos teus seria outra miragem senão meus próprios olhos refletidos, talvez árvore furta-cor a raiz despejando-se em certa terra e o ferido ódio não sabendo do desapego viral vital da natura. germina neste instante momento certa dor sussurrar de clamores e relâmpagos dentro da escuridão dessas quatro paredes. é sólido o tempo, mas nunca lívido, quando encara pedras vidraças e depois do embaçar solidão revelar ali a cara do Tempo. Te amo, sim, sem pedir lógica, acredito em ti como Hölderlin acreditava nos deuses gregos, enlouqueço por ti se necessário, porque dou as costas para a janela e LÍVIDO HÁ DE SER EU.


xxx

O fim, este imenso clarão, faminto de matéria, ávido de nada, visitante socialista, compactua comigo aos poucos, e prevejo o esmagar da totalidade das coisas, e depois disseminar dinâmico pela boca dos vermes, no interior dos campos, recomeço, parcela minha pelo ar, pela terra, nas águas, quero me converter neste erotismo, mas digo a mim mesmo: conceda a superfície, não negocie o essencial de ti, o teu mais fundo, não abrace o oscuro enigma transvestido de branca luz. Neste momento crucial digo retire de mim a capa do superficial, jogue-me para o outro lado do véu, e ao mesmo tempo sinto nostalgia dos dias e das horas, do Sol insistente e inútil que vai e volta, quero ficar, fincar meu corpo na cama, meu gato olhando-me com seus olhos azul safira como quem intui a despedida, não, como quem pede ração no pote vazio, a fome, a fome do clarão, a vida pulsando em todos os cantos menos em mim. // O Fim




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"No Final", poema dedicado a Sylvia Plath, escrito por Fernando Graça



No Final

a Sylvia Plath


  

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6 poemas de Fernando Graça




Nunca sabemos sobre o outro (escuro alvorecer)

Nunca sabemos sobre o outro:
os nazistas liam goethe, escutavam wagner,
mas de dia horrorizavam auschwitz.
Também assim eu diante do teu rosto
não sei que mistério outro
haverá em teu mais profundo centro
e nos teus segredos de dentro.
Eu mesmo me estranho diante do fortuito
espelhismo oferecido pela vida:
não sei se sou céu ou abismo
se sou chegada ou partida.
Não importa: sem nada conhecer
nos amamos sob o escuro alvorecer.

autorretrato visto na madrugada

teu autorretrato
mostra-me o que não toquei
o que não tive
lábios que não beijei
corpo que vive
sem o corpo meu
e meus olhos miram a foto
não os olhos teus
e deles tornam-se reféns:
teu autorretrato mostra-me o que não tenho
dele desdenho
pois tu mesmo não te tens.

Deidade I

Não, não quero os Teus platonismos
seriedade muda, hermetismos,
friez surda sem erotismo.
Quero-Te como Krishna, carnal
lábios nos meus, homossexual
e se acaso Te encontar morto
como Nietzsche O queria
deito-me no corpo
necrofilia
amor torto
poesia

Frivolidade dos Dias

varro a frivolidade dos dias
migalhas, partidas
armadilhas
com o resto do pão
que caiu
nesta plataforma infinita
sem fronteiras
nem países
que me leva a ti: o chão.

depois sinto a friez dos metais,
sussurros heideggerianos,
mas não te esqueço jamais
pois te amo.

prevejo misérias, kierkegaard,
avanço, subo, sem evitar
a paixão séria sem descanso.

Iluminação

rejeitei Aquele que nunca se mostra
e me fodi pela via tortuosa que são os teus lábios
tenros, e esqueci os sábios
em livros fechados
mas agora volto ao jardim primeiro:
recaminho entulhos, destroços, te deixo no passado
e encontro brechas nas paredes,
buracos nos muros abandonados,
nesgas de antiga sede
vesgas verdades
satoris
nirvana

Poetas Vivos

Foram tantos poetas suicidados
que nem vale a pena ser mais um.
Diante do mar eu quero o mais que se agiganta
e que paira acima dos seres e dos não seres
e daqui deixo para trás as vidas
que orgulham as enciclopédias
e a biografia notável.
Não temo a cidade que oprime as ondas.
Não deslumbro o vento favorável.
Supero a solidão, a fome hedionda.
Deixo na areia mais que pegadas:
deixo também folhas amassadas
com ideais que não sirvo.
Tantos poetas suicidados...
O mundo precisa de poetas vivos.


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