6 poemas de Fernando Graça




Nunca sabemos sobre o outro (escuro alvorecer)

Nunca sabemos sobre o outro:
os nazistas liam goethe, escutavam wagner,
mas de dia horrorizavam auschwitz.
Também assim eu diante do teu rosto
não sei que mistério outro
haverá em teu mais profundo centro
e nos teus segredos de dentro.
Eu mesmo me estranho diante do fortuito
espelhismo oferecido pela vida:
não sei se sou céu ou abismo
se sou chegada ou partida.
Não importa: sem nada conhecer
nos amamos sob o escuro alvorecer.

autorretrato visto na madrugada

teu autorretrato
mostra-me o que não toquei
o que não tive
lábios que não beijei
corpo que vive
sem o corpo meu
e meus olhos miram a foto
não os olhos teus
e deles tornam-se reféns:
teu autorretrato mostra-me o que não tenho
dele desdenho
pois tu mesmo não te tens.

Deidade I

Não, não quero os Teus platonismos
seriedade muda, hermetismos,
friez surda sem erotismo.
Quero-Te como Krishna, carnal
lábios nos meus, homossexual
e se acaso Te encontar morto
como Nietzsche O queria
deito-me no corpo
necrofilia
amor torto
poesia

Frivolidade dos Dias

varro a frivolidade dos dias
migalhas, partidas
armadilhas
com o resto do pão
que caiu
nesta plataforma infinita
sem fronteiras
nem países
que me leva a ti: o chão.

depois sinto a friez dos metais,
sussurros heideggerianos,
mas não te esqueço jamais
pois te amo.

prevejo misérias, kierkegaard,
avanço, subo, sem evitar
a paixão séria sem descanso.

Iluminação

rejeitei Aquele que nunca se mostra
e me fodi pela via tortuosa que são os teus lábios
tenros, e esqueci os sábios
em livros fechados
mas agora volto ao jardim primeiro:
recaminho entulhos, destroços, te deixo no passado
e encontro brechas nas paredes,
buracos nos muros abandonados,
nesgas de antiga sede
vesgas verdades
satoris
nirvana

Poetas Vivos

Foram tantos poetas suicidados
que nem vale a pena ser mais um.
Diante do mar eu quero o mais que se agiganta
e que paira acima dos seres e dos não seres
e daqui deixo para trás as vidas
que orgulham as enciclopédias
e a biografia notável.
Não temo a cidade que oprime as ondas.
Não deslumbro o vento favorável.
Supero a solidão, a fome hedionda.
Deixo na areia mais que pegadas:
deixo também folhas amassadas
com ideais que não sirvo.
Tantos poetas suicidados...
O mundo precisa de poetas vivos.


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© Escrito em 2015 por Fernando Graça. Todos os direitos reservados. Também publicado no Portal Cronópios em: http://www.cronopios.com.br/content.php?artigo=11933&portal=cronopios